Sobre pais, alface e viagens

Quando eu era criança, eu era doida pelo meu pai. Era Deus no céu, meu pai na terra.
Ele morreu quando eu tinha 13 anos e a última coisa que ele disse pra minha mãe sobre mim, era pra ela me apoiar em qualquer área que eu quisesse seguir, porque eu iria conseguir. 

Já minha mãe sempre foi a minha maior apoiadora mesmo não falando sobre isso - ela demonstra com ações, não com palavras. Ela nunca foi do tipo que abraça sem motivo e sempre me disse que não criou nenhuma filha pra ser princesa, mas pra ser guerreira. rs 

Meu pai não me viu fazendo 15 anos, nem entrando na faculdade ou me formando duas vezes. Um lado meu sempre se pergunta se ele teria orgulho de mim e eu prefiro acreditar que sim. Talvez, hoje em dia, a gente nem fosse tão próximo, mas eu penso que seríamos sim.

Meu pai me ensinou que não se corta alface para comer (se dobra), que uma estante com livros alinhados é uma das coisas mais satisfatórias de se olhar, que futebol é muito legal sim e que rosquinha com chá é um dos melhores lanchinhos noturnos que existe - quando eu tinha uns 4 anos, "fugia" do meu berço a noite, descia as escadas no maior silêncio que eu achava estar fazendo (que, obviamente, era silêncio nenhum) e ia pra sala, onde meu pai me esperava com duas xícaras de chá e rosquinhas em volta do pires. A gente assistia futebol. Bom, ele assistia. Eu comia as rosquinhas, bebia o chá e acordava ~misteriosamente no meu berço, no outro dia.

Uma das minhas lembranças favoritas que eu tenho é de quando o Brasil ganhou a Copa de 1994 e meu pai não aguentou assistir aos pênaltis. Resolveu andar pela rua até a padaria, mas o lugar estava fechado então resolvemos voltar pra casa. No meio do caminho as pessoas começaram a gritar comemorando e ele entendeu que havíamos ganhado. Eu não sabia o que estava acontecendo e entendi menos ainda o motivo dele começar a me jogar pra cima dizendo que éramos tetra. Eu nem sabia o que isso significava e por qual razão ele tava me fazendo correr pra casa...

Meu pai não colocava a mão na comida e mesmo se fosse pastel de feira ele iria comer com garfo e faca. Ele cobria a boca pra rir. Sentava cruzando as pernas. E andava com as mãos pra trás ou segurando na nossa nuca. Ele era alto e digo isso não porque eu era criança, mas porque era mesmo: tinha mais de 1m80. Ele era todo culto, mas falava "pobrema". Nunca confiei em ninguém dirigindo como confiava nele. Era doido por churrasco e fazia uma competição com a minha tia sobre "quem aguentava a pimenta mais ardida".


Já a minha mãe sempre me incentivou a voar. Ela, que eu posso contar nos dedos quantas vezes eu vi chorar na vida, já chorou ao me ver chorando de coração partido. Não conheço ninguém que tenha a fé dela - e ela me ensinou tudo que sei sobre isso.

Eu falo que ela é nerd porque é super fã de Star Trek e é cinéfila. Já deve ter visto todo o catálogo da Netflix - ela maratona tudo que é série e adora os doramas (culpa minha, assumo rs). Toda vez que eu pergunto se ela já assistiu um título ela responde que sim e me dá spoiler! Ela sabe fazer contas de porcentagem de cabeça, enquanto eu conto as coisas usando os dedos. Quando você a faz gargalhar por estar zoando, ela te dá um tapão no braço pra parar. rs E ama ficar sozinha, passear sozinha, ir ao cinema sozinha... Ela não sofre por isso não.

A gente se descobriu uma boa dupla para viagens: eu faço o roteiro, ela reclama de que tô fazendo ela andar demais. rs Um dos orgulhos da minha vida foi ter pago uma viagem pra ela há uns anos, para Portugal. Ela nunca tinha saído do país e agora ela é uma viciada em fazer turismo - tanto quanto eu. Tem até uma lista de lugares que quer conhecer, vai vendo. rs

Meu sonho era conhecer Paris. Ela foi comigo.
Colocamos Londres nesse roteiro e quando estávamos lá, ela confessou que esse era o sonho dela desde criança, quando ouvia sobre a Rainha Elizabeth no rádio. Ela tava com 67 anos e mostrando que nunca é tarde pra realizar um desejo. Acho que isso é o que ela mais me fala: sonha e entrega nas mãos de Deus. Ah! E ela também sempre diz que eu tenho que guardar dinheiro. rs

Nunca vejo minha mãe desesperada. Brava? Sim. Sem esperança? Nunca.
Ela é a pessoa mais cheia de gratidão a Deus que eu conheço e já passou por coisas muito difíceis na vida, situações que a maioria das pessoas não aguentaria sem reclamar não. Ela vive o que ela prega - e isso é muito difícil de encontrar hoje em dia...



Não tenho nenhuma característica física do meu pai, mas sou a cópia da minha mãe.
Eu falo que meu pai foi o amor todinho da minha vida.
Mas minha mãe é meu exemplo, a pessoa que quero ser quando crescer... :)

1 pessoas viram:

  1. Eu fiquei feliz de já ter ouvido todas essas histórias, e achei tão lindas elas todas alinhadas poeticamente nesse texto. Eu sou muito grata a esses dois por terem feito você e cuidado com tanto amor, amiga. Isso tudo contribuiu com a pessoa sensível, forte e engraçada que você é, e não acho que daria pra fazer trabalho melhor haha. Adorei o texto!

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