pai

todo mundo lembra de setembro de 2001 por causa das torres gêmeas.
eu lembro de você. 
naquele dia, eu cheguei da escola e você e a mãe tavam vendo a tv. 
me contaram sobre o world trade center. 
ficamos vendo tv a tarde toda até cansar.

você morreu duas semanas depois.
numa sexta-feira.
dia 28.

eu falei com você 2 dias antes.
na quarta-feira.
mas você já não conseguia responder. 
a mãe disse que você queria falar comigo e ligou lá do hospital.
eu falei. 
você só me ouviu.
e eu disse pra você voltar logo, que eu tava com saudades, que ia ter jogo do santos.
ouvi sua respiração.
e te dei tchau.

pai, desculpa te dizer isso, mas nem sempre sinto saudades.
porque eu sei que no fundo, no fundo, minha adolescência foi boa sem você.
desculpa.
mas você não teria deixado eu ir nos shows que eu fui.
nem nas viagens que eu fiz.
nem confiaria em mim como a mãe confiava.
provavelmente, eu nem teria começado a namorar.

mas você era meu herói. 
que fazia chá com bolachas a noite pra mim.
que me fez gostar de futebol.
que disputava cuspe a distância na volta da padaria.
e você foi, como todo pai, meu primeiro amor.

eu sei, eu sei.
tem dias que a saudade aperta.
e é inevitável pensar que você não me viu fazendo 15 anos.
nem 18.
nem entrando pra faculdade.
nem 21.
nem me formando.
nem 25.
nem 26.
nem indo pra Portugal.
nem morando sozinha.
nem 27.
nem 28.
e que não vai me ver casando. 
não vai me ver chegando aos 30.

e eu sei, eu sei.
tá melhor assim.
acreditamos em vida eterna e isso nos consola.
acreditamos em reencontro no céu, e isso é o bastante.

mas tem dias.
alguns dias.
que eu lembro.
e percebo que continuo com o mesmo medo bobo.
de esquecer sua voz.
e eu nem sei se o que eu lembro é mesmo a sua voz.
ou a voz que tá na minha cabeça fingindo que é sua.
mas que diferença faz?

eu me formei no curso que você queria ter feito.
e tô estudando no curso que você fez.
e tenho tantos livros quanto você teve.
e tenho toc com a estante igual você.
e às vezes me pego andando com as mãos pra trás, como você fazia.
e quero conhecer o mundo, como você não pode conhecer.

e nessas horas me perco sem saber o que sou eu e o que é você.
porque parte de mim é você, mas sou eu.
eu com um pouco seu.
um pouco da mãe.
muito de mim.
bastante de ausência.
e saudades.

há 15 anos com saudades.
e contando.

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